Mas até ao defender ciência, percebi que essa defesa pode ganhar um formato anticientífico ao assumir uma postura convicta. Convicção não combina com um pensamento profundo. Convicção quase garante superficialidade. Talvez essa deva ser a primeira mensagem da educação científica.
O comunicador precisa reconhecer lugar de fala, descolar temporariamente de sua essência, e ser capaz de emoldurar a mensagem na perspectiva do outro. Afinal, se queremos promover "mudança", conhecimento não é suficiente. O que promove mudança é motivação e esta depende de percepções (diferente de conhecimento), relações interpessoais, fenômenos comunitários e ecológicos.
Cultura científica é uma proposta de pensamento sofisticado, não a de 'chover no molhado' ou 'chutar gato morto'. O valor da ciência contemporânea não é demonstrar o óbvio (a terra é redonda), é detectar nuances. Nuances médicas são feitas de coisas que parecem ser verdade, mas não são, outras que parecem ser falsas, mas são verdades. Outras que são verdades em uma realidade (espaço, tempo ou pessoa) e falsas em outras circunstâncias. As nuances da verdadeira acurácia de um teste que se propõe retratar a realidade, da eficácia marginal de um tratamento, do conhecimento sobre mediadores de efeitos. Nesta a ciência faz diferença.
E assuntos como estes podem ser colocados de formas fácil, simples, com exemplos interessantes, sem o olhar de cima para baixo. O primeiro passo é o reconhecimento da incerteza. Depois fica fácil se combinarmos criatividade e afetividade.
A “defesa” da saúde pública não deve ser limitada à defesa de condutas médicas com arrazoados biológicos, mas passa pelo entendimento de decisões cujo beneficio pode ser mediado por determinantes sociais, culturais e comportamentais de saúde. Defesa da saúde pública é entender que há diferentes tipos de desfechos de eficácia, simultâneos ou futuros, que efetividade não depende apenas do biológico, que pensamento econômico diz respeito a “valor”, não exatamente a custo (pensamento financeiro), que o sistêmico não é o mesmo que a soma das partes.
Parafraseando uma amiga poeta, cardiologista nas horas vagas, "medicina [e saúde pública] clama por mais poesia. E desse encontro brota o verdadeiro saber, destituído de certezas." Acrescento, poesia baseada em evidências.
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